Relato da mãe de morto no Rio impacta a todos

Entre os mais de cinquenta corpos espalhados em uma das ruas de acesso à Vila Cruzeiro, na zona norte do Rio de Janeiro, um nome ganhou voz, rosto e dor: Wellington Brito, de apenas 21 anos. A manhã desta quarta-feira, 29 de outubro, amanheceu com o peso de uma tragédia que nem o tempo parece capaz de suavizar.
A mãe de Wellington, Taua Brito, de 36 anos, o encontrou caída em uma área de mata próxima ao Campo da Vacaria, ponto que divide os complexos da Penha e do Alemão — epicentro da megaoperação que já vem sendo chamada de a mais letal da história do Rio. O corpo do jovem tinha os pulsos amarrados por uma corda.
“Dava tempo de socorrer. A corda mostra que ele estava preso, amarrado em algum lugar. Deixaram meu filho morrer”, desabafou Taua, em prantos, ao lado de outros moradores que também buscavam parentes desaparecidos.
No dia anterior, ela havia ido ao Hospital Getúlio Vargas, em busca de notícias. Lá, funcionários teriam dito que o filho estava preso. Horas depois, ela o encontraria sem vida.
A cena na Vila Cruzeiro era de guerra: corpos sendo carregados de mototáxi, enfileirados por moradores e líderes comunitários, numa tentativa desesperada de dar dignidade ao que restou daquelas vidas. Muitos estavam na mata, onde segundo relatos, policiais impediram o acesso de familiares e socorristas durante todo o dia, alegando risco de tiroteio.
De acordo com os números oficiais divulgados pelo governo do estado, 64 pessoas morreram e 81 foram presas. Quatro dos mortos eram policiais. Mas nas vielas e becos, a contagem parecia bem maior — e as histórias, ainda mais pesadas.
A advogada Flávia Fróes, que acompanha a remoção dos corpos, relatou que muitos apresentavam marcas de tiros na nuca, facadas nas costas e ferimentos nas pernas. “Não há dúvida de que o que ocorreu aqui foi uma execução em massa”, afirmou. “Estamos diante de um massacre sem precedentes no Rio de Janeiro.”
Nas redes sociais, imagens dos corpos e relatos de moradores se espalharam rapidamente, provocando indignação e pedidos de investigação internacional. Entidades de direitos humanos enviaram denúncias à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), solicitando a presença de observadores e peritos estrangeiros.
Enquanto isso, o clima na comunidade é de medo e revolta. Muitos moradores ainda procuram desaparecidos, e o silêncio das autoridades locais aumenta a sensação de abandono. “Parece que nossas vidas não valem nada”, disse uma moradora que preferiu não se identificar. “Eles entram atirando e depois dizem que é operação. Mas quem morre sempre é a gente.”
O episódio reacende um debate antigo no Brasil: até que ponto o combate ao crime justifica o uso extremo da força? O próprio presidente Lula, segundo fontes do Planalto, teria se mostrado “estarrecido” ao tomar conhecimento do número de mortos.
Enquanto o governo promete apuração, as famílias se organizam em mutirões improvisados para reconhecer corpos, alguns já em decomposição. Entre lágrimas e indignação, Taua resume o sentimento de muitos: “Não quero vingança, só quero que digam por que fizeram isso com meu filho.”
Na Vila Cruzeiro, o som dos tiros cessou. Mas o eco da dor permanece, atravessando becos, corações e consciências. O massacre pode até sair das manchetes — mas para as mães, como Taua, ele nunca vai acabar.





